Chico Buarque é um dos maiores nomes da música popular brasileira. É compositor, dramaturgo e escritor.
A canção Geni e o zepelim faz parte do musical Ópera do Malandro, de 1978. O texto da peça é baseado na Ópera dos Mendigos (1728), de John Gay (poeta e dramaturgo inglês), e na Ópera dos três vintens (1928), de Bertold Brecht (dramaturgo e poeta alemão) e Kurt Weill (compositor alemão). A peça se passa em 1940 e fazem parte do enredo situações de contrabando, jogo e prostituição.
Muitos conhecem essa canção pelo seu refrão irreverente. O que poucos imaginam é que a personagem Geni é uma travesti, fato que a letra da canção não revela mas que descobrimos lendo o roteiro ou assistindo à peça. Geni é desprezada pela cidade, "feita pra apanhar e boa de cuspir". Mas certo dia surge no céu um enorme zepelim e seu comandante decide bombardear a cidade. Porém, ele muda de ideia ao ver Geni, que pode evitar a catástrofe tendo uma noite de amor com o comandante. Todos vão lhe pedir para salvar a cidade, tornando-se a "bendita Geni". Ela atende aos caprichos do comandante mas, mesmo tendo salvado a cidade, continua desprezada e desvalorizada.
A canção pode ser utilizada para abordar a diversidade e a violência de gênero que, mesmo com tantas mudanças sociais que vem ocorrendo, continuam acontecendo de forma explícita (GDE, 2009).
Confira a letra da canção abaixo. Você pode ouví-la e baixá-la aqui.
Geni e o zepelim
Chico Buarque
De tudo que é nego torto, do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes, dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina, atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos, das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade e é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um, maldita Geni!
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante, um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios, abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada se quedou paralisada
Pronta pra virar geleia
Mas do zepelim gigante desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de ideia!"
Quando vi nesta cidade tanto horror e iniquidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama se aquela formosa dama
Esta noite me servir
Essa dama era Geni! Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um, maldita Geni!
Mas de fato, logo ela tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela (E isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre, tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia a cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos, o bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai, Geni! Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar! Você vai nos redimir!
Você dá pra qualquer um, bendita Geni!
Foram tantos os pedidos tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira, lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia, partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia e a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um, maldita Geni!
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